Liderança servidora no Ágil

Há 25 anos comecei minha jornada profissional. Tive oportunidade de trabalhar com alguns líderes incríveis, que me inspiravam e extraíam o meu melhor e com isso me desenvolvia e superava meus limites. O primeiro deles se chama Gerson. Ele era o gerente da TI da Copersucar, aquela que faz o açúcar União e o café Pilão.

Comecei meu estágio lá em 1996 e tive o prazer de trabalhar com uma verdadeira equipe. Essa história me impactou desde a entrevista. O processo seletivo era muito acirrado, pois continha prova escrita e várias etapas, sem contar que eu era uma das únicas entrevistadas que vinha de longe, de universidade particular e sem nenhuma experiência na área, afinal, concorria a uma vaga de estágio.

Na época, a Copersucar estava implantando sua rede de computadores e Gerson me encheu de perguntas sobre várias coisas que não conhecia, referente ao desenvolvimento de software e ao suporte de redes. Fui muito sincera e disse que não conhecia muita coisa, mas precisava da oportunidade e estava disposta a aprender. Foram tantos “não conheço” que marquei naquela folhinha que não imaginava que a vaga seria minha. Ele me disse depois que gostou da minha transparência e sinceridade e que vários candidatos diziam conhecer tantas coisas, que logo arrumariam outro emprego. Ele e a equipe queriam alguém para formar e que tivesse disposição de aprender. Uma das etapas era bater um papo com a equipe, então a decisão foi coletiva.

Hoje percebo que havia uma afinidade de valores entre a gente.  Fiquei nesse estágio por quase dois anos e consegui uma vaga como empregada na empresa. Esse estágio me ensinou muito. Mais do que as ferramentas que aprendi, os softwares que desenvolvi, foi a confiança e a coragem que depositaram em mim e na autonomia que me ensinaram a ter.  Na medida em era capacitada, era me dado um desafio novo para enfrentar. Lembro do dia que me incentivaram a ir resolver um problema na sala de um dos diretores. Eu senti medo, mas eles disseram que estava preparada e que qualquer problema a equipe me daria todo suporte. Deu tudo certo!

Hoje, depois de ter passado por tantas empresas e ter tido líderes que se limitaram a ditar ordens, controlar todo o trabalho, alguns até espalhando o medo e se valendo da coerção para atingir os resultados, vejo que Gerson entendia o quanto a autonomia, a capacitação, o trabalho de valores, a busca pela melhoria e um bom propósito eram transformadores na vida de um profissional. Uma coisa que também me marcou foi o ambiente saudável para o erro. Todo mundo era encorajado a tentar algo novo, mesmo que não desse certo na primeira tentativa.

Felizmente tive outros líderes bem parecidos com ele e, quase 20 anos depois, quando tive que formar minha própria equipe, era neles que eu me espelhava.

Esse tipo de liderança, James C.Hunter, em seu livro “O monge e o executivo” chama de Liderança Servidora. Um outro livro que aumentou minha compreensão a respeito do tema foi o livro Drive do Daniel H.Pink, traduzido no Brasil por Motivação 3.0. Nele o autor, após pesquisar por décadas, mostra o que motiva o profissional do conhecimento, na era que vivemos, trazendo o conceito de Motivação 3.0. Nesse conceito, evitar punições e buscar recompensas (motivação extrínseca) que davam certo desde o início do século XX na Administração Científica, batizada por Taylor, não dão mais conta do recado. Esse novo conceito mostra como a motivação intrínseca, baseada na autonomia, busca pela excelência técnica (ou maestria) e trabalhar por um propósito, faz com que os profissionais realizem algo muito maior e que perdure.

Esses dois livros trazem uma percepção conceitual bem interessante e que conseguimos colocar em prática com o Management 3.0, um movimento de transformação do estilo de gestão, que combina jogos, ferramentas e práticas para ajudar qualquer profissional a gerenciar a organização, tornando todos responsáveis pela gestão.

Neste movimento, as pessoas são a parte mais importante do sistema, e o papel do líder passa a ser o de apoiar e garantir que não existam bloqueios para que tudo flua, garantindo um ambiente de confiança em que todos possam ser criativos e possam trabalhar efetivamente juntos, motivados e engajados.

“A gestão não consiste em selecionar as melhores ideias; e sim criar um sistema que permita emergir as melhores ideias.” – J. Appelo

A gestão pode ser vista em um triângulo onde a arte, a experimentação e o conhecimento se encontram.” Henry Mintzberg, Simply Managing

Somente podemos melhorar a felicidade do profissional quando todos se sentem responsáveis pela gestão e quando os gerentes aprendem a gerenciar o sistema ao invés de pessoas.

Todo modelo de gestão servidora é muito alinhado com o movimento Ágil. Um dos 4 valores do Manifesto de Desenvolvimento de Software Ágil é “Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas”. Entre os princípios ligados à liderança servidora estão:

  • Construa projetos em torno de indivíduos motivados. Dê a eles o ambiente e o suporte necessário e confie neles para fazer o trabalho.
  • Contínua atenção à excelência técnica e bom design aumenta a agilidade.
  • As melhores arquiteturas, requisitos e designs emergem de equipes autoorganizáveis.

A experiência que tive me mostrou que exercitar uma liderança servidora consegue ir além de criar um ambiente em que as pessoas se sintam melhores e que produzam mais valor na organização, pois gera no líder uma satisfação imensa por poder fazer parte do desenvolvimento e crescimento das pessoas,  tanto dos hard skills quanto do soft skills. Essa jornada é desafiante e encantadora.

“Se as melhores memórias de sua vida são todas sobre suas férias, talvez não devesse voltar ao trabalho amanhã.” – J. Appelo

Referências:
https://management30.com
https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html
James C. Hunter, O monge e o Executivo; tradução de Maria da Conceição Fornos de Magalhães – Rio de Janeiro: Sextante, 2004.